A MÚSICA NOS FILMES DE HITCHCOCK

Enviado por admin em sab, 04/28/2018 - 09:27
Alfred Hitchcock morreu em Los Angeles no dia 29 de abril de 1980 por insuficiência renal, ele tinha 80 anos.

A julgar por uma frase atribuída ao mestre do suspense, Alfred Hitchcock, a impressão seria de que ele nunca valorizou a música em seus filmes. A frase atribuída ao cineasta foi mais ou menos assim: “De onde vem a música no meio de um oceano?” Essa frase teria sido pronunciada numa conferência de imprensa, justamente no momento em que um jornalista fazia uma indagação sobre a música do filme de Hitchcock “UM BARCO E NOVE DESTINOS”. Logo que soube de tal fato, o compositor David Raksin, nem pestanejou ao responder de primeira com a seguinte indagação: “Perguntem ao Sr. Hitchcock de onde vêm as câmeras no meio de um oceano”. Dizem que o episódio parou por aí, não prosperou certamente pelo fato de que Hitchcock percebeu que isso poderia comprometer a sua própria imagem diante dos compositores, com os quais viria a trabalhar.

 A música que se tornou mais célebre nos filmes de Hitchcock, sem dúvida, foi de PSICOSE. O trabalho de Bernard Herrmann atinge as raias da perfeição. No instante em que a personagem Marion (Janet Leigh) foge com o dinheiro roubado, ela dirige o carro, numa noite chuvosa - os acordes da música de Herrmann acompanham rigorosamente o ritmo do limpador do pára-brisa. Mas a cena antológica do filme fica por conta dos golpes de faca, desferidos por Norman Bates (Anthony Perkins) contra Marion, enquanto esta se banhava; sob os acordes precisos da música de Herrmann, dá-se a impressão que as cordas do violino sangram. O maior peso que Hitchcock confere à música está no filme “O HOMEM QUE SABIA DEMAIS”. São 9 minutos e quinze segundos de música executada pela Orquestra Sinfônica de Londres, sob a regência de Bernard Herrmann (que aparece pela primeira vez num filme). Essa foi a mais longa seqüência musical do cinema. A música executada é a The Storm Cloudsde Arthur Benjamin, cujo ápice é justamente no instante em que os címbalos acabam transformando-se num verdadeiro instrumento da morte. Isso mesmo, exatamente no instante em que os címbalos tocarem, o assassino  vai disparar um tiro contra o primeiro-ministro inglês nas dependências do Albert Hall de Londres. Segundo Hitchcock, caso os espectadores soubessem ler música, o suspense do filme poderia ter sido maior, com a câmera correndo em travellinglateral sobre a pauta de notas. Na trilha sonora de “O HOMEM ERRADO”, temos a música de Herrmann transparecendo uma marcha fúnebre de alguém a caminho do cadafalso, no caso o personagem Christopher (Henry Fonda) acusado injustamente de um crime que não cometeu. Herrmann conseguiu imprimir na trilha sonora de “UM CORPO QUE CAI”, um verdadeiro poema musical de amor da mais alta sensibilidade.

Não foi por acaso que dentre todos os compositores que trabalharam com Hitchcock foi Herrmann que conquistou a simpatia e preferência do mestre do suspense. O trabalho mais desafiador para Herrmann foi para “OS PÁSSAROS”, filme que não tem música; no entanto, o compositor foi requisitado para atuar como consultor de som. Temos então os sons dos pássaros sendo trabalhados como se fossem uma partitura. O som em “OS PÁSSAROS” tem uma importância transcendental ao aliar-se o ruído dos pássaros tanto no interior da casa como fora dela. Em “A SOMBRA DE UMA DÚVIDA”, temos Joseph Cotten no papel de Charlie, um assassino de viúvas. A trilha foi composta por Dimitri Tiomkin; temos a utilização da ária de A Viúva Alegre, justamente com objetivo de ilustrar a ação do personagem central que é um vilão, mas que curiosamente acaba fazendo com que o público simpatize com ele. O filme “REBECCA” tem um pouco de conto de fadas, de uma Cinderela, e nesse sentido a música de Franz Waxman soube captar a atmosfera do filme e transformá-la musicalmente.

O mesmo Waxman faria a trilha sonora de “JANELA INDISCRETA”, que Hitchcock não gostou, simplesmente pelo fato de que ele gostaria de ter uma canção na trilha. Isso mesmo, no filme existe um personagem que habita aquele condomínio fronteiriço ao apartamento de James Stewart, que é músico, acostumado a embebedar-se. Hitchcock cismou que seria interessante colocar na trilha uma canção, composta pelo bêbado.

“QUANDO FALA O CORAÇÃO”, filme essencialmente psicanalítico de Hitchcock, utilizou uma colaboração do pintor Salvador Dali para que pudesse reproduzir sonhos visuais com traços agudos. Nesse sentido, Dali era a pessoa certa, principalmente pelos traços agudos de sua arquitetura. Mas e a música? Bem, essa esteve confiada a Miklos Rozsa, que com sua sensibilidade, soube compor uma trilha extremamente compatível com o tema do filme. A música que simboliza os sonhos é algo impressionante e bem por isso merecidamente premiada com o Oscar de melhor trilha em 1945.

Finalmente mais dois trabalhos do grande mestre Bernard Herrmann para o mestre do suspense, Alfred Hitchcock. O primeiro para o filme “INTRIGA INTERNACIONAL”, que tem uma das cenas mudas mais longas do cinema, durando sete minutos, que é justamente aquela em que o personagem Roger (Cary Grant) está sozinho no deserto onde, de repente, começa a ser perseguido por um avião; trata-se de uma cena rigorosamente surrealista. A música de Herrmann tem a dimensão exata do quadro de suspense que se instala em cada momento do filme em que um publicitário é tomado por um agente secreto norte-americano. “CONFISSÕES DE UMA LADRA”, onde uma mulher sob diferentes disfarces emprega-se em diferentes empresas e acaba roubando todas. Casa-se com o dono de uma das empresas e o marido quer curá-la de uma neurose que a leva a roubar de forma compulsiva. Um dos momentos mais agudos do filme é quando Marnie descobre o segredo do cofre da empresa do marido. Depois de abri-lo, ela se divide entre o impulso de roubar e o de refrear o ímpeto; ao fundo a música de Bernard Herrmann com acordes agudos refletindo de maneira fiel o estado de espírito da personagem.

Hitchcock trabalhou ao longo de sua carreira com aproximadamente vinte compositores; mas de todos, aquele de maior calibre, com capacidade de imortalizar as cenas magistrais de Hitchcock, só mesmo Bernard Herrmann. O mais curioso é que os produtores da Universal acabaram rejeitando o trabalho de Bernard Herrmann para o filme “CORTINA RASGADA”, de 1966. Tal fato foi tão marcante que ambas as carreiras, de Hitchcock e de Herrmann, praticamente se desestruturaram. Nenhum deles, a partir de então,  conseguiu se firmar e os trabalhos restantes não foram nada expressivos.

Uma das páginas musicais mais expressivas composta por Bernard Herrmann foi para o filme UM CORPO QUE CAI de 1958.

Alfred Hitchcock morreu em Los Angeles no dia 29 de abril de 1980 por insuficiência renal, ele tinha 80 anos.